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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sem valsas no fim do dia

Para se ler ao som da música Cold Desert do King of Leon

  Acordei no meio da tarde com uma forte dor no estômago. Resolvi acender um cigarro antes de morrer. Peguei o isqueiro e antes de ir direto na ponta do veneno, queimei a ponta do meu dedo. Serviu pra entender que ainda estava vivo. Três dias inteiros e não saía de casa, comia apenas uma vez, dormia mais que o normal (também não chegava a muito, 6 horas no máximo).

Levantava, lia alguma coisa no jornal deixado por debaixo da porta, algum livro parado no meio ou até mesmo as janelas. Tinha que ler as janelas todos os dias. As calçadas se enchendo e esvaziando, o leiteiro que gritava, as pessoas chegando do trabalho, era tudo uma prosa chula, mas rica. Mesmo assim não sentia vontade de sair de casa. De repente o cigarro acabou, um monte de cinzas juntou-se a outro no meio do chão e percebeu que andava meio desligado. Começou a tentar lembrar das coisas, não sabia nem porque estava daquele jeito. O que aconteceu? Como vim ficar três dias em casa?

A primeira imagem que lhe apareceu na mente vazia foi como retrato desbotado, estático e bonito, um sorriso aberto, covas na bochecha, olhos rasgados, braços longos, pernas bonitas, um corpo delineado. A imagem foi ficando como um filme bem curto, ganhou movimento, bem pouco. Ela começou a andar e colocou a cabeça entre as mãos, morrendo de rir. Só lembrava disso, ainda não conseguia entender o que ela tinha feito, se tinha ido embora, se ela tinha ferido, se tinham desistido, se machucado, morrido, ou o quê. Enquanto perguntava isso para si, passou a mão no rosto e percebeu o quente caldo molhando a cara suja que preservava.

Chorava silenciosamente, sem soluço, sem solução, resoluto, absolutamente. Acendeu outro cigarro, tentava entender porque chorava se a imagem sorria, por que era tão bonita e lembrava tão pouco? Tragou e jogou fumaça no ar. A noite já vinha e as garrafas de vinho espalhadas pela casa agora eram como sombras de prédios aterrorizando pela porta que ia pra cozinha.

 
Por: João Baltazar

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