Você corria por dentro, eu corria por fora; você em pista de grama, eu em pista de areia. Você era uma égua de raça, meu amor, e se chamava Helena de Tróia; eu era um cavalo de criação nacional e meu nome era Black & White. Você era do vermelho castanho daquela rosa de veludo, chamada Príncipe Negro, eu era todo preto manchado de branco no pescoço. Éramos dois belos animais e estávamos emparelhados na frente, numa tropeliada cheia de ritmo, muito longe dos outros que nos perseguiam inutilmente num corpo a corpo incomparável.
Não,
ninguém me montava; corríamos libertos por uma campina, desaparecemos debaixo
das árvores de um bosque, chegamos a uma planície onde existia apenas um
anúncio de gasolina americana. E além desse descampado, sentamos sem dizer nada
com nossos olhos grossos e ternos de cavalo, que o mar ao longe estava batendo
e tremia, as ondas se empinavam em desafio, crinas de espuma eriçadas,
relinchando ao vento. Era um mar mais estranho que o mar, cavalos de água se
erguiam e desmanchavam, nós corríamos de encontro a ele em galope igual.
Ah!O
mar não deteve a nossa corrida, mas avançamos sobre as ondas, as nossas patas
mal tocando a água verde, livre sobre o mar livre, focinho contra focinho,
ilharga contra ilharga, passamos debaixo do arco-íris e decolamos. Voávamos
perto das vagas que molhavam as nossas bocas com suas gotas salgadas quando, de
repente anoiteceu se qualquer solidão. Sentia o calor do teu grande corpo e meu
coração me feria como se um punho fechado batesse com força em meu peito. Sim,
sei perfeitamente, qualquer Freud de porta de venda pode explicar o meu sonho;
mas nunca poderá roubá-lo.
Texto:
Paulo Mendes.